sábado, 14 de novembro de 2015

Um pensamento econômico que amplia horizontes

Um otimista cético contra
a desigualdade: o que pensa Angus Deaton,
o Nobel de Economia

em 19 de outubro de 2015 » Atualizado às 10:08
Categoria » Em Pauta Portal Geledes.
Você já viu um pobre hoje? Sim, um pobre, aquela figura que vemos pedindo uma ajuda na saída da padaria, no farol enquanto estamos a caminho do trabalho ou levando as crianças para a escola; aquela classe social que líderes como o Papa Francisco ou o Pepe Mujica tanto falam em seus discursos. Muitos dirão que sim, que viram um pobre. E quantos ajudaram um pobre? Angus Deaton decidiu não apenas ver um pobre. Decidiu fazer dessa causa sua vida.
Por Ricardo Platero Do DCM









Com 69 anos, Angus Deaton é um escocês-americano famoso entre seus colegas pelo seu bom-humor, uso de gravatas borboleta e meticulosidade. Professor na Universidade de Princeton, poderia se dizer pela sua aparência que este é mais um economista que dedicou sua vida na frente de quadros negros com modelos matemáticos para explicar uma ciência humana, sem prestar atenção nas questões sociais reais da economia. Não é o caso.

Especialista em microeconomia – o campo da economia que estuda os individuos e as firmas – e econometria – a aplicação de matemática e estatística na economia -, ele se dedicou ao estudo sobre consumo, em especial em questões que incluem desigualdade, pobreza e bem-estar. Seus artigos e livros mudaram não somente a teoria econômica, mas ajudam instituições globais a definir o que é pobreza e a combatê-la. No último dia 12, foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia por “sua análise do consumo, pobreza e bem-estar”.

Deaton mistura as qualidades de um cético com as de um otimista, algo importante quando se trata de um tema delicado. Em seu livro The Great Escape: Health, Wealth, and the Origins of Inequality (“A Grande Fuga: Saúde, Riqueza, e as Origens da Desigualdade”, ainda sem publicação no Brasil), Deaton aponta grandes problemas atuais no combate à miséria no mundo, seja em países desenvolvidos, como em países ainda em desenvolvimento, e algumas possíveis soluções para cada tema. Ao mesmo tempo, sua mensagem principal é que vivemos em um dos momentos de maior prosperidade em nossa história, com maiores expectativas de vida, mais saúde, mais felicidade e mais conhecimento.

Combativo, faz críticas duras ao Banco Mundial por questões como a definição de que pobre é todo aquele que vive com menos de 1,90 dólar por dia. Deaton afirma que fatores que estão além da renda, como o acesso à Educação e a Saúde, possuem um impacto maior na definição de quem é pobre ou não. “Focar no número de pessoas que estão abaixo dessa linha é como caçar um unicórnio na floresta”, disse em recente entrevista ao Financial Times.

Em entrevista para outro jornal, Deaton também chama atenção para o debate atual da desigualdade social: “O que mais me preocupa sobre a desigualdade de renda é que ela pode se transformar em desigualdade política. Se os muito ricos usam sua riqueza para influenciar o processo político, então o resto de nós sofremos. Esse é o perigo. […] Estudos demonstram que os políticos são mais sensíveis aos seus eleitores mais ricos do que seus eleitores mais pobres”.

Uma de suas principais contribuições é o Sistema Quase Ideal de Demanda, que foi desenvolvido na década de 80 com a ajuda de John Muellbauer. Trata-se de um grupo de equações que ajuda a definir a demanda de consumidores para diferentes bens, mostrando como a demanda para determinado bem varia conforme a renda, fatores demográficos e o preço de outros bens, tudo isso tomando em conta a irracionalidade dos consumidores e seu comportamento. Sua utilidade está em prever como determinada ação impactará no consumo de outros bens e quais grupos sociais irão ganhar ou perder com tal ação.

Outro importante feito é o conceito chamado de Paradoxo de Deaton, que mostra que choques bruscos na renda não parecem causar choques similares no consumo, mostrando que as pessoas querem manter padrões mais constantes e menos voláteis de consumo. Esse conceito parece ser simples, mas provar esta afirmação é fundamental no tocante ao funcionamento das economias.

Nos últimos 35 anos, Deaton tem estudado sobre consumo e pobreza em países em desenvolvimento, utilizando seu sistema de demanda e suas ideias sobre consumo individual ao longo do tempo. Ele é um dos pioneiros na criação de banco de dados sobre consumo doméstico de diferentes bens, uma vez que o consumo em países em desenvolvimento é mais relevante e útil que informações sobre renda. Estes estudos ajudaram a explicar questões importantes no bem-estar social. Dois exemplos:

. Acreditou-se por muito tempo que a renda das pessoas tinham impacto direto na sua capacidade de sair de situações de pobreza. Um trabalhador que ganha pouco não consegue se alimentar devidamente, e por consequência, não trabalhar bem e progredir, gerando um ciclo chamado “armadilha de pobreza”, uma situação onde alguém não consegue sair da pobreza por si mesmo. Essa é uma questão crucial no debate da necessidade da ajuda externa para países pobres, uma vez que está associado à eficiência do combate à pobreza. A pesquisa de Deaton demonstrou que o aumento de renda de fato faz com que mais calorias sejam consumidas, porém, há evidências que a má nutrição seja a causa raiz da pobreza. De forma simples, a má nutrição é uma consequência da baixa renda, mas não vice-e-versa.

. Outro exemplo é a questão da discriminação de gênero em países subdesenvolvidos, especialmente dentro das famílias. Enquanto há muita evidência de que filhos são favorecidos em detrimento das filhas, os mecanismos discriminatórios não estavam claros. Uma possibilidade de discriminação poderia se dar em restrições de consumo para as mulheres. Enquanto o estudo não demonstrou que há uma clara restrição de consumo em condições normais para as filhas, em pesquisas recentes foi apontado que há uma piora na possibilidade de consumo destas em situações onde a família encontra adversidades, como desemprego ou sofre com desastres naturais.

As ideias de Deaton tem influenciado fortemente os líderes de diversas nações ao redor do globo, e o Brasil não é um exceção. Nos últimos anos, o Brasil saltou em seu combate à pobreza, sendo um dos líderes globais nesse quesito e não raramente citado como um exemplo por instituições como a ONU ou o Banco Mundial. Este cenário só é possível porque os sucessivos governos brasileiros tiveram algum compromisso com programas sociais que melhorassem a vida dos brasileiros em diversos campos, como em questões de renda (Bolsa-Família), alimentação (Fome Zero), saúde (Mais Médicos), educação (ProUni). Não é difícil imaginar que Deaton aprovaria o combate à pobreza em todos estes setores, ainda que o combate possa ser melhorado.

Em um mundo cético com economistas e as previsões e soluções criadas por eles, Deaton é uma luz. E joga sua luz própria nos marginalizados e nas desigualdades sociais.


Nenhum comentário:

Postar um comentário