Um
otimista cético contra
a
desigualdade: o que pensa Angus Deaton,
o Nobel
de Economia
Você já
viu um pobre hoje? Sim, um pobre, aquela figura que vemos pedindo uma ajuda na
saída da padaria, no farol enquanto estamos a caminho do trabalho ou levando as
crianças para a escola; aquela classe social que líderes como o Papa Francisco
ou o Pepe Mujica tanto falam em seus discursos. Muitos dirão que sim, que viram
um pobre. E quantos ajudaram um pobre? Angus Deaton decidiu não apenas ver um
pobre. Decidiu fazer dessa causa sua vida.
Com 69 anos, Angus Deaton é um escocês-americano
famoso entre seus colegas pelo seu bom-humor, uso de gravatas borboleta e
meticulosidade. Professor na Universidade de Princeton, poderia se dizer pela
sua aparência que este é mais um economista que dedicou sua vida na frente de
quadros negros com modelos matemáticos para explicar uma ciência humana, sem
prestar atenção nas questões sociais reais da economia. Não é o caso.
Especialista em microeconomia – o campo da economia
que estuda os individuos e as firmas – e econometria – a aplicação de
matemática e estatística na economia -, ele se dedicou ao estudo sobre consumo,
em especial em questões que incluem desigualdade, pobreza e bem-estar. Seus
artigos e livros mudaram não somente a teoria econômica, mas ajudam
instituições globais a definir o que é pobreza e a combatê-la. No último dia
12, foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia por “sua análise do consumo,
pobreza e bem-estar”.
Deaton mistura as qualidades de um cético com as de
um otimista, algo importante quando se trata de um tema delicado. Em seu livro
The Great Escape: Health, Wealth, and the Origins of Inequality (“A Grande
Fuga: Saúde, Riqueza, e as Origens da Desigualdade”, ainda sem publicação no
Brasil), Deaton aponta grandes problemas atuais no combate à miséria no mundo,
seja em países desenvolvidos, como em países ainda em desenvolvimento, e
algumas possíveis soluções para cada tema. Ao mesmo tempo, sua mensagem
principal é que vivemos em um dos momentos de maior prosperidade em nossa
história, com maiores expectativas de vida, mais saúde, mais felicidade e mais
conhecimento.
Combativo, faz críticas duras ao Banco Mundial por
questões como a definição de que pobre é todo aquele que vive com menos de 1,90
dólar por dia. Deaton afirma que fatores que estão além da renda, como o acesso
à Educação e a Saúde, possuem um impacto maior na definição de quem é pobre ou
não. “Focar no número de pessoas que estão abaixo dessa linha é como caçar um
unicórnio na floresta”, disse em recente entrevista ao Financial Times.
Em entrevista para outro jornal, Deaton também
chama atenção para o debate atual da desigualdade social: “O que mais me
preocupa sobre a desigualdade de renda é que ela pode se transformar em
desigualdade política. Se os muito ricos usam sua riqueza para influenciar o
processo político, então o resto de nós sofremos. Esse é o perigo. […] Estudos
demonstram que os políticos são mais sensíveis aos seus eleitores mais ricos do
que seus eleitores mais pobres”.
Uma de suas principais contribuições é o Sistema
Quase Ideal de Demanda, que foi desenvolvido na década de 80 com a ajuda de
John Muellbauer. Trata-se de um grupo de equações que ajuda a definir a demanda
de consumidores para diferentes bens, mostrando como a demanda para determinado
bem varia conforme a renda, fatores demográficos e o preço de outros bens, tudo
isso tomando em conta a irracionalidade dos consumidores e seu comportamento.
Sua utilidade está em prever como determinada ação impactará no consumo de
outros bens e quais grupos sociais irão ganhar ou perder com tal ação.
Outro importante feito é o conceito chamado de
Paradoxo de Deaton, que mostra que choques bruscos na renda não parecem causar
choques similares no consumo, mostrando que as pessoas querem manter padrões
mais constantes e menos voláteis de consumo. Esse conceito parece ser simples,
mas provar esta afirmação é fundamental no tocante ao funcionamento das
economias.
Nos últimos 35 anos, Deaton tem estudado sobre
consumo e pobreza em países em desenvolvimento, utilizando seu sistema de
demanda e suas ideias sobre consumo individual ao longo do tempo. Ele é um dos
pioneiros na criação de banco de dados sobre consumo doméstico de diferentes
bens, uma vez que o consumo em países em desenvolvimento é mais relevante e
útil que informações sobre renda. Estes estudos ajudaram a explicar questões
importantes no bem-estar social. Dois exemplos:
. Acreditou-se por muito tempo que a renda das
pessoas tinham impacto direto na sua capacidade de sair de situações de
pobreza. Um trabalhador que ganha pouco não consegue se alimentar devidamente,
e por consequência, não trabalhar bem e progredir, gerando um ciclo chamado
“armadilha de pobreza”, uma situação onde alguém não consegue sair da pobreza
por si mesmo. Essa é uma questão crucial no debate da necessidade da ajuda
externa para países pobres, uma vez que está associado à eficiência do combate
à pobreza. A pesquisa de Deaton demonstrou que o aumento de renda de fato faz
com que mais calorias sejam consumidas, porém, há evidências que a má nutrição
seja a causa raiz da pobreza. De forma simples, a má nutrição é uma
consequência da baixa renda, mas não vice-e-versa.
. Outro exemplo é a questão da discriminação de
gênero em países subdesenvolvidos, especialmente dentro das famílias. Enquanto
há muita evidência de que filhos são favorecidos em detrimento das filhas, os
mecanismos discriminatórios não estavam claros. Uma possibilidade de
discriminação poderia se dar em restrições de consumo para as mulheres.
Enquanto o estudo não demonstrou que há uma clara restrição de consumo em
condições normais para as filhas, em pesquisas recentes foi apontado que há uma
piora na possibilidade de consumo destas em situações onde a família encontra
adversidades, como desemprego ou sofre com desastres naturais.
As ideias de Deaton tem influenciado fortemente os
líderes de diversas nações ao redor do globo, e o Brasil não é um exceção. Nos
últimos anos, o Brasil saltou em seu combate à pobreza, sendo um dos líderes
globais nesse quesito e não raramente citado como um exemplo por instituições
como a ONU ou o Banco Mundial. Este cenário só é possível porque os sucessivos
governos brasileiros tiveram algum compromisso com programas sociais que
melhorassem a vida dos brasileiros em diversos campos, como em questões de
renda (Bolsa-Família), alimentação (Fome Zero), saúde (Mais Médicos), educação
(ProUni). Não é difícil imaginar que Deaton aprovaria o combate à pobreza em
todos estes setores, ainda que o combate possa ser melhorado.
Em um mundo cético com economistas e as previsões e
soluções criadas por eles, Deaton é uma luz. E joga sua luz própria nos
marginalizados e nas desigualdades sociais.
Leia a matéria completa em: Um otimista cético contra a desigualdade: o que pensa Angus Deaton, o Nobel de Economia - Geledés http://www.geledes.org.br/um-otimista-cetico-contra-a-desigualdade-o-que-pensa-angus-deaton-o-nobel-de-economia/#ixzz3p2Osi93s
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